Matheus Lopes Quirino
Das vantagens de quando a temperatura cai, uma delas é fazer bunker de cobertas. É um ritual estranho também. Morar em um país tropical, não tão tropical no Inverno, dá alguma graça aos olhos dos que esquecem fácil do que guardam. Numa ‘batida’ no guarda-roupas se encontra quinquilharia de séculos, caso haja a cultura de passar de mão em mão, geração em geração, família por família. Sabe aquela manta tricotada da bisavó que algum parente ganhou nos anos 1980, usou uma vez e botou no ‘saco’ dentro do baú: ela reaparece.
E vendo a luz depois de décadas, esse artefato peludo que muito adormeceu, em um dia frio, é perfeitamente útil. Algo similar, na praça, pode sair muito caro. Pagar caro para umas semanas de frio não é exatamente um conforto. Não que o tricô seja lá uma quintessência da moda, nada disso, é uma lembrança de outros tempos, tão carregada de memórias quanto de poeira. Acontece que aquilo nada tem a ver com o garimpeiro de pantufas. Então, para não começar um brechó, o jeito é se enrolar no cobertor e, em silêncio, aproveitar o quentinho. Antes de tudo, é claro, vale expulsar as pulgas, percevejos, baratas e quiçá algum gamba que tenha nascido, crescido e morado dentro do velho armário de roupas de invernos. Pode haver.
Com tudo lavado com antecedência, pois o frio não espera, é chegada a hora de fazer as camadas de cobertas na cama, como um sanduíche de muitos metros. Colcha, lençol, coberta felpuda. Coberta fofa, cobertão, coberta escocesa xadrez, por cima de tudo. É um jeito de se abrigar contra o temível frio e também os monstros que moram pelos cantos no quarto, debaixo das camas e dentro dos guarda-roupas.
Gela e, de repente, sente-se vontade de buscar uma bolsa de água quente. Já é tarde da noite e tudo está silencioso, tão silencioso e calmo que nasce, tímida, uma sensação de espanto, de medo, de absoluto choque que se converte em pavor. Não há como sair dali, enfrentar o frio, os monstros, sair do bunker cosido pelos antepassados que foram comidos pelos monstros, pela terra. Nesse momento, quando a bunda gela, a cloaca fecha, o jeito é se encaramujar nos cobertores, preparar os puns, esse aquecimento benígno para emergências, e dormir, enfim, na paz. Os monstros que vivem debaixo da cama estarão todos mortos, como mosquitos e inseticidas, e o quentinho continua, a depender da frequência punsística, da quantidade de monstros e do medo.