Escrever, não escrever

Escrever é vantajoso para quem tem medo de se machucar em esportes de macho/suor, mas já se machucou em outras instâncias

Matheus Lopes Quirino

Escrever é como andar a cavalo. Ou andar de bicicleta. É difícil, mas quando se aprende, é só ter equilíbrio e não confiar tanto no próprio taco. E no tal cavalo. É uma metáfora estranha, vindo de alguém que não sabe andar de bicicleta, montar ou jogar baseball. Escrever é supor algumas coisas, como relatar um passeio de bicicleta mesmo não o tendo. “Com a brisa cortante repartindo meus cabelos numa descida ao mundo inferior”. É só uma suposição, mas que não pode causar nenhum acidente de ordem ortopédica.

Escrever é vantajoso para quem tem medo de se machucar em esportes de macho/suor, mas já se machucou em outras instâncias – espirituais, banais, cotidianas, como bater o cotovelo em uma quina. De todo jeito, escrever pode ser um trunfo nos relacionamentos, pois tudo é experiência para se considerar. Trabalho de campo. Experiência imersiva. A um passo de se estrebuchar no chão, é só apelar para o científico. As situações mudam de figura e o escritor, este pobre que já deu com a cara no muro, pode sair por cima. As palavras podem o catapultar para longe, caso necessário.

Escrever é como se defender em uma luta de boxe. Nesse espaço em branco, prevejo todos os movimentos do oponente e acabo com ele com um raio supersônico. Posso fazer suas mãos atrofiarem, como em um passo de mágica, e colocar espinhos dentro da fantástica luva suada Everlast, antes do show começar. O escritor sempre dá as cartas e o primeiro apito. Defenda-se o leitor, caso contrário, não entre no ring.

Escrever é como uma anarquia que obedece a gramática. Seguindo as leis das quatro linhas – ou seja lá quantas linhas se desejar –, tudo é permitido. É como se não existisse filtro, mas poucos conseguem o êxito. Escrever não é podar ou tolher, é agarrar o cavalo branco que passa uma só vez – E reconhecer o clichezão desta frase. É voltar e ajustar a rota, com um escandaloso unicórnio a relinchar no Vale. Ou um cavalo tigrado, já pensou que escândalo no mundo equino?

Escrever é amassar muitas folhas de papel em bolas que não vão ser engolidas pela cesta de lixo. É errar o alvo, como o primeiro jato de xixi pela manhã. Ah, o cheiro da grama! É dar delete em textos, como este, antes de publicá-los. Só que existe uma outra coisa que o escritor precisa ter em mente: o prazo. Estando ele restrito, ou apertado, em qualquer ordem de confecção, esse trabalhador das palavras precisa dar um jeito e costurar os retalhos de algo que pode vir a ser maior. Nunca há certeza. Geralmente, é só mais uma bola de papel que se esconderá em um confim de quarto piso frio ou chão de taco.

A única garantia é a do fracasso. Da perdição no rodamoinho da internet, das conversas restritas de vernissages, diálogos repletos de enigmas e vinho branco barato. Escrever é agrupar algumas palavras com sentido, sem muito desgaste, e, de repente, algo toma forma. Escapa pelos textos. Ops, dedos. Poder ser verborrágico, cafona, inocente. É difícil escrever. Como tudo que é bom, escrever custa à coluna. Quem tem cadeira ergométrica aos 20 e poucos anos?

Assunto para a próxima conversa, na crônica ou em poema, burlando o calendário. Agrupando as palavras e justificando, de um jeito clichê, algum pensamento vago que não foi trabalhado direito. Escrever de uma tacada só, como agora, exige mais fôlego do que miolos. É alguma hora da madrugada, nesta anarquia, só resta escrever, até as palavras se organizarem por conta própria e, como boas anarquistas, derrubar o escriba com este ponto final aqui.

Imagem de capa, obra de Milton Avery (A Carta, 1945) – Sotheby’s

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