Atendimento ao cliente

E como eu fiz a opção por um Combo (pague 2 e leve o terceiro de brinde), que conecta TV, wi-fi e serviços de streaming, quando o streaming diz que eu não paguei, ele culpa a TV. E, claro, quando eu ligo na TV, ela culpa o streaming.

Maria Paula Curto*

Poucas coisas bobas são mais estressantes do que ter que ligar para uma central de atendimento ao cliente para fazer uma reclamação. Primeiro, porque temos que passar por um extenso cardápio de opções pré-fixadas (cardápio é dureza. Como se fôssemos escolher entre um filé com fritas ou um parmegiana…), que nunca correspondem ao nosso desejo ou problema, até chegar a algum ser humano do outro lado da linha. Ah, claro, esse ser humano será facilmente alcançado se o caso é de aquisição de algum produto ou serviço. Mas se for para resolução de um problema, pode esquecer. Sua ligação nunca foi tão desimportante quanto nesse momento, por mais que a musiquinha diga o contrário. Ô raiva!

Meu 2024 começou assim, todo trabalhado no stress e na força do ódio. Serviços que funcionavam normalmente ao longo de todo o ano de 2023 (e também em 22) simplesmente pararam de funcionar. E como eu fiz a opção por um Combo (pague 2 e leve o terceiro de brinde), que conecta TV, wi-fi e serviços de streaming, quando o streaming diz que eu não paguei, ele culpa a TV. E, claro, quando eu ligo na TV, ela culpa o streaming. No meio da luta entre o rochedo e o mar, eu, o pequeno e desprezado marisco.

Quem sabe um Apesar de você me fizesse aguardar com um pouco mais de ânimo? Talvez eu possa dar essa sugestão. Pensando bem, melhor não, ou terei que enfrentar filas novamente, por uma mera recomendação. Foto: Reprodução

Minha mãe sempre dizia que, com o advento do computador, o ser humano havia emburrecido. Ela não se conformava quando alguém dizia, ao ser questionado sobre algum erro, “não consigo resolver, pois o sistema está fora do ar”. Como assim, fora do ar? Fora do ar estou eu, sem acesso ao que paguei, e caro. Como era feito antes de tudo estar no sistema? Não se fazia? Claro que fazia, mas hoje não pode, não vale, não rola. Ou, como eles dizem: “sinto muito senhora, mas não vou estar conseguindo resolver o seu problema hoje. Tente novamente mais tarde”. A questão é que esse “mais tarde” pode levar dias, semanas, meses, ou até você desistir por pura exaustão. Nunca aquela máxima do “foi vencido pelo cansaço” fez tanto sentido quanto no momento em que ficamos lá, horas, ouvindo musiquinha ao telefone. E, diga-se de passagem, o repertório também não é nada agradável. Se ao menos a gente pudesse escolher entre MPB, clássica ou pop. Chico, Mozart ou Elton John? Quem sabe um Apesar de você me fizesse aguardar com um pouco mais de ânimo? Talvez eu possa dar essa sugestão. Pensando bem, melhor não, ou terei que enfrentar filas novamente, por uma mera recomendação.

Ah, você pode dizer que eu estou muito atrasada, muito geração X, que hoje tudo se resolve por IA via WhatsApp. Você já tentou? Ai de você se seu problema não se encaixa nos 875 itens do menu principal. A árvore genealógica das famílias Silva não apresenta tantas ramificações. Outro detalhe importante: nem pense em fazer alguma coisa em paralelo, como olhar um e-mail do trabalho, ler alguma mensagem do grupo da família, preencher aquela planilha de despesas que você prometeu para o fim do dia. Nem ouse!! Pois eles podem demorar na resposta, mas você não. Se você demorar alguns segundos a mais do que o previsto pelo sistema, o atendimento é derrubado e você vai ter que começar tudinho novamente do zero. Estou mentindo? 

Outra coisa que não entendo: todo menu de entrada pede para você digitar o bendito CPF. Que tem 11 dígitos! E o que acontece quando, após passar por 53 opções diferentes, finalmente um ser humano te atende? Qual a primeira pergunta que ele te faz? “A senhora poderia me informar seu CPF”? Mas caramba, se eu já digitei essa jaca, às vezes mais de uma vez, por que o tal “sistema inteligente” não guardou? Ou melhor, não usou para já acessar meu cadastro? Melhor ainda, não usou para ver que essa é a terceira vez que eu ligo sobre o mesmo assunto? Claro que não, pois parece que tudo foi feito para deixar você um pouco mais irritado do que já está. 

Na semana passada, eu apelei para a Ouvidoria, já que meu problema, após três chamados e três protocolos distintos, ainda se encontrava sem solução. Aliás, devo dizer que cada protocolo tem 15 dígitos. Eu disse: 15 dígitos!!! Que eu tenho que anotar em velocidade Usain Bolt, ou voltar ao menu anterior. Que delícia! Perguntem se a tal Ouvidoria resolveu o meu problema. Perguntem, por favor. Claro que não! Depois de eu dizer que já era cliente do tal streaming faz mais de ano, a moça me ligou perguntando se eu era cliente nova. A moça da ouvidoria. Que deveria ser “expert”, especialista em casos mais críticos, certo? Começo a achar que minha mãe tinha razão. Além dessa sensação de embotamento da população em geral, pois a tecnologia vai resolver tudo, ainda vivemos uma época em que as pessoas simplesmente não escutam as outras. Nem mesmo se o papel delas é de escutar. Escutar o que o outro, no caso eu, o cliente, tem a dizer. Não. Eles não ouvem. Eles apenas repetem o que “aprenderam no treinamento”. Eles apenas falam. Da mesma forma, com a mesma entonação. Eles não precisam ouvir. Afinal, é preciso bater a meta e atender o próximo. Não se pode perder tempo com essa coisa insignificante que só atrapalha o dia. No caso, novamente, eu. Euzinha. O tal marisco. Sem rochedo para me encostar muito menos mar para me jogar. Me segura que eu vouuuuuuuuu.

Hoje, após duas xícaras de chá de camomila, tentei a ouvidoria novamente. Sabe qual foi a resposta? Seu caso já foi aberto. Pela Larissa. Somente Larissa pode resolver. Em 10 dias. Vou repetir: 10 dias! Enquanto isso, fico eu em casa, com duas adolescentes em férias, sem acesso à tal série coreana que estreou justamente agora, em janeiro e que elas adoram. Você pode imaginar o quão tranquila estou. Totalmente zen. Quase um Buda. Só que não. Larissa, meu anjo, por favor, resolve aí, vai! Tá tudo pago! É só vocês se conversarem. Um com o outro. Esquece os scripts prontos. Tenta um diálogo efetivo, real, criativo. Em que cada resposta não vem pronta. A resposta vai depender do que o outro – lembra dele? O outro? – vai dizer. Eu prometo que será uma experiência transformadora para você. Inesquecível. Uma experiência de empoderamento: você vai falar com suas próprias palavras! Não é demais? Aproveite esse momento único na sua existência! E ajude a fazer o meu ano melhor. Vai que é tua Larissa!!! In Larissa I trust! É o que me resta. Feliz 2024 a todos.

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*Maria Paula é carioca, mãe e mestre em filosofia pela PUC-SP

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