Blecaute

Pintura: Le Parlement, coucher de soleil – Kunsthaus Zürich/ Claude Monet, 1904

Olhei para as minhas mãos, para os meus pés, procurei pelos objetos de meu escritório e não havia mais nada além de um infinito céu perfeitamente escuro. “Gato, mia!”. “Miau!”. Onde estaria o bichano?

Gustavo Nagib*

Inclinei a cadeira e virei o rosto. Aquela pequena pausa inútil para não ter que trabalhar. Concentração baixa e ansiedade a mil. A certeza de que os olhos encontrariam a mesma paisagem: o jardim à frente e as montanhas parcialmente encobertas pela neblina ao fundo. Engano. Havia um céu magenta jamais visto. Meu corpo relaxou com aquela surpresa e a cadeira quase tombou. Mas não caí.

Magenta é o vermelho que não é vermelho. Magenta é o vermelho indo para o rosa. Ou então o vermelho maravilha. Magenta é uma incógnita. Seria sobrenatural? Ou surreal? Como produzir o magenta? O céu daquele dia sabia.

Chamei o colega ao lado. “Olha a cor do céu!”. “Trata-se do cinza de sempre. Ou seria o branco de sempre?”. Perguntei se ele estava cego. Ele me respondeu, irônico, que chá eu estava tomando. Não tomo chá. Dei o último gole do meu café. Assim que o colega se afastou, percebi que se iniciava uma chuva de estrelas cadentes. Era fim de tarde, mas ainda não estava escuro o suficiente para que estrelas cadentes fossem perfeitamente visíveis. Cocei os olhos. Fiz muitos pedidos.

O magenta foi se tornando cada vez mais escuro e a Lua deu as caras. Ela estava cheia. Era nítida a imagem de São Jorge, com sua espada, montado em seu cavalo, lutando com o dragão. De repente, a silhueta de uma grande e densa nuvem encobriu a Lua. O magenta se desfez. Acabaram-se as estrelas cadentes. O céu estava na mais perfeita escuridão. Olhei para a minha mesa de trabalho, estava tudo escuro como o céu. Olhei para as minhas mãos, para os meus pés, procurei pelos objetos de meu escritório e não havia mais nada além de um infinito céu perfeitamente escuro. “Gato, mia!”. “Miau!”. Onde estaria o bichano?

Comecei a correr, mas eu não estava saindo do lugar, apesar do grande esforço físico. Entendi que eu estava flutuando. Não enxergava mais nada que pertencesse ao meu cotidiano. Não havia mais nenhum colega, nenhum amigo, nenhum familiar, nenhum bichinho de estimação. Senti que era preciso olhar para baixo: avistei um azul incrível. Sem fazer força, comecei a me afastar progressivamente daquele imenso azul. Percebi uma nova forma surgindo à minha frente. Identifiquei: era a Terra! Tudo voltava a fazer sentido: eu estava sozinho no universo.

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