Novo livro do filósofo e professor Paulo Arantes recupera artigos publicados nos anos 90

Formação e Desconstrução discute questões essenciais das linhas pós-contemporâneas

Bruno Pernambuco

Qual é o propósito de reler um texto, de um autor vivo e atuante, à luz de novos fatos , e de uma nova realidade? Como trazer para a atualidade a intenção de republicar artigos “antigos”, e celebrar seu autor?  Como fazer com que textos produzidos em outro contexto, em outro momento histórico, falem no presente? Essas são perguntas que Formação e Desconstrução, responde de forma despreocupada, reflexiva e com amor pelos artigos que lhe compõe. Respeitando o valor dos artigos escritos por Paulo Arantes, reunidos pela primeira vez em livro, a obra aposta em uma apresentação simples e elegante, que permite que os textos se tornem vivos, que se atualizem em um sentido amplo e multifacetado, sem necessidade de reduzir a complexidade das construções pensadas pelo autor, nem de apresentar ao leitor um presumido caminho certo, de como devem ser interpretadas aquelas reflexões.

O volume, dividido em três partes, reúne artigos publicados por Arantes entre 1989 e 1995, além de um ensaio de autoria de Bento Prado Júnior, da mesma época. A única adição feita aos textos originais está no posfácio escrito por Giovanni Zanotti- um trabalho admirável (e isso admitiu Paulo em diversas ocasiões, comentando sobre o livro) frente à sugestão difícil de “trazer os textos para o presente”. Diversas referências, algumas inegavelmente brasileiras, outras que oferecem um comentário geral à cultura da filosofia europeia nos anos 80, se misturam na apresentação do professor da UnB, destrinchando os movimentos do autor, que explora diferentes facetas desse grande processo que identifica como a Ideologia Francesa.

O presente é, de fato, um tempo com o qual Formação e Desconstrução tem uma relação bastante peculiar. Não só porque as ideias apresentadas nos artigos foram desenvolvidas em obras posteriores de Arantes, mas porque aspectos daqueles processos que são analisados se fazem imediatamente reconhecíveis, e muitas vezes a realidade presente aparece como uma versão mais drástica sua. 

Esse estranhamento, esse impacto causado pela proximidade, é cheio de ânimo, cheio de vida. Revela-se nesse efeito um sentido da prosa histórica desses artigos, algo atualizado para o presente, sem que se perca o conteúdo positivo do texto, publicado dentro de seu momento histórico. A lógica e a encadeamento dos textos — mesmo que alguns deles tenham sido pensados para uma exposição oral — também se mantém através da precisão das figuras de linguagem, e da mistura de referências históricas. O texto leve e bem humorado- ainda que denso e com rigor em suas leituras- cheio desses pequenos acertos é imediatamente reconhecido por qualquer leitor que já tenha o hábito de se divertir dentro das obras de Paulo Arantes.

Outros Tempos

Formação e Desconstrução retoma a um período anterior da carreira do professor- textos publicados em diferentes meios: revistas, apresentações, e colóquios com autores nacionais e estrangeiros. Apesar de seus diferentes contextos, os excertos compartilham um tema comum: a análise da Ideologia Francesa, processo assim definido pelo autor, multifacetado e cheio de ramificações mas que está diretamente ligado à cultura filosófica dos anos 80, e à consolidação da Critical Theory, tanto nos departamentos universitários quanto nos discursos correntes.

Nos artigos, Arantes revela diferentes facetas da diagnosticada ideologia, tanto dialogando com seus principais autores quanto examinando à contraluz aspectos desse arcabouço, analisando outras referências para retomar a discussão dos textos em que apontava esse diagnóstico preciso. Em um diálogo com a obra de Richard Rorty, na análise mais volumosa do livro, o autor se debruça sobre a perda, dentro do discurso da critical theory, do fundamento da filosofia, como atividade supracientífica, com um valor determinado e positivo de suas categorias — entrando, assim, nas bases conceituais dos principais autores do momento. Em outros ensaios presentes no volume, a análise de autores como Lacan, e do seminário de Kojéve, é uma oportunidade para comentar sobre a formação da Ideologia, sob um ponto de vista histórico, analisando as mudanças ocorridas na vida intelectual européia a partir do pós-segunda guerra.

A realidade de diferentes países, também, compõe o intricado sistema da Ideologia Francesa. Arantes examina em Formação e Desconstrução as culturas universitárias norte americana e brasileira, acompanhando a recepção dos teóricos da época no centro e retornando, depois, à vida brasileira, às distâncias e incongruências que por excelência fundam a reflexão daqui, e às leituras de Roberto Schwarz. Assim, também, a análise presente nos textos se atualiza, conforme a leitura do livro revela que são examinados diferentes pontos, a partir de uma crítica materialista bem construída, perceptiva às especificidades e atenta para as relações de um processo que é dinâmico e mutável.

Com Formação e Desconstrução, se dá aos interessados mais uma chance de desfrutar da prosa e das elaborações de Paulo Arantes, através de excertos que anteriormente circulavam apenas em periódicos especializados. Trazer a público esses artigos é um processo de atualiza-los, e, na escolha de textos que ainda têm muito a dizer, e mantém uma relação imediata com o tempo presente, também de celebrar esse seu aspecto de prosa histórica, que não se reduz a um documento estanque nem se reduz inteiramente ao presente, sem preservar a vida e o movimento de sua concepção original. Ler Formação e Desconstrução não é somente conhecer textos velhos, mas encontrar com textos que se fazem novos.

Formação e Desconstrução 

Paulo Arantes 

Editora 34 

336 pp

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